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Nordeste - Aqui o Brasil Cresce Mais Rápido

O capitalismo parece ter finalmente chegado ao Nordeste. Milhões de pessoas passam a fazer parte do mercado consumidor, uma nova safra de empreendedores surge e investidores chegam em busca de novos projetos na região onde a economia brasileira mostra seu maior vigor.

Andrade Jr., presidente da Cyrela Andrade Mendonça: o maior condomínio residencial em construção no país, com apartamentos de mais de 1 milhão de reais, fica em Salvador.

A avenida Paralela, que liga o município de Lauro de Freitas a Salvador, é um gigantesco canteiro de obras em linha reta. Ao longo de seus 18 quilômetros brotam edifícios, condomínios, shoppings, lojas e universidades onde, até cinco anos atrás, o que se via era apenas um matagal.

Todo fim de tarde, centenas de ônibus apinhados de operários a caminho de casa se misturam aos carros de passeio e entopem as três pistas da avenida. O movimento é especialmente intenso na altura das obras do condomínio Le Parc, onde 2 200 funcionários trabalham seis dias por semana.

O Le Parc - incrustado na capital da Bahia é o maior empreendimento residencial em construção no Brasil. Dezoito torres, cada uma com pelo menos 16 andares e 64 apartamentos, são construídas ao mesmo tempo, num terreno de 100 000 metros quadrados.

A cada semana, são utilizados 4,5 milhões de blocos pré-moldados e o equivalente a sete piscinas olímpicas de concreto. Caminhões de 40 fornecedores entram e saem pelos portões do empreendimento de segunda a sábado, das 7 horas da manhã às 5 horas da tarde. Previsto para ser construído ao longo de cinco anos, o Le Parc precisou ter seu cronograma adiantado para atender à demanda.

Em menos de um ano, 1 000 de seus 1 138 apartamentos foram vendidos, a preços que variam de 421 000 a 1,1 milhão de reais. "Planejávamos começar as obras com apenas cinco torres", diz Antonio Andrade Jr., de 43 anos, presidente da Cyrela Andrade Mendonça, associação entre a construtora baiana Andrade Mendonça e a paulista Cyrela.

Mas, assim como tantos outros empresários, Andrade Jr. descobriu que o mercado local era maior do que parecia ser. Em 2008, as vendas de sua construtora dobraram, alcançando 600 milhões de reais. Criada há mais de 30 anos, a Andrade Mendonça jamais viveu tamanha prosperidade em seus negócios. Neste momento, seus operários erguem simultaneamente 52 obras, espalhadas por Bahia, Pernambuco, Paraíba e Sergipe.

A avenida Paralela, em Salvador, é um retrato do que hoje acontece naquela que historicamente foi a região mais pobre e atrasada do país. Por quatro séculos, o Nordeste brasileiro foi berço de uma economia pré-industrial, com base numa estrutura quase feudal, na inexistência de tecnologia e na escassez de grandes empreendimentos.

Não havia mercado. Não havia, numa consequência óbvia e cruel, oportunidade. Com 28% da população brasileira, o Nordeste é responsável por apenas 14% do PIB do país. Mas os prédios erguidos por2 200 pessoas na Paralela são uma evidência concreta da transformação da região em um mercado real, em que parte dos 54 milhões de habitantes se torna consumidora.

É um sinal que se junta a outros -- o surgimento de um novo e pujante polo agrícola entre a Bahia, o Piauí, o Tocantins e o Maranhão, a instalação de grandes indústrias, como Nestlé e Sadia, e obras de infraestrutura que estão entre as maiores do país, frutos de investimentos públicos e privados.Aos poucos, a economia do século 21 toma o espaço do que resta da economia do século 16.

O desenvolvimento do Nordeste, portanto, não se deu em fases. Está ocorrendo num movimento de salto. Neste ano de abalo mundial, o Nordeste foi responsável pela maior fatia do pequeno crescimento da economia brasileira. A consultoria Tendências estima o crescimento do PIB nordestino em 1,5%, enquanto o resto do Brasil deve encolher 0,1%.

Se o mercado interno protegeu o país dos efeitos da crise internacional, isso é mais verdade no Nordeste, região de baixíssima exposição internacional, formada em sua base por uma legião de consumidores emergentes. "Esse pedaço do Brasil está descobrindo o próprio caminho para o crescimento, com o empreendedorismo local, o desenvolvimento tecnológico, dos serviços, do turismo e da construção civil", afirma o economista Maílson da Nóbrega, sócio da Tendências.

Para entender as estatísticas atuais é preciso voltar um pouco no tempo. Nenhuma região do país foi tão beneficiada pelos programas de transferência de renda do atual governo quanto o Nordeste. Hoje, cerca de metade dos 12 milhões de famílias atendidas pelo Bolsa Família em todo o país vive na região.

O programa é responsável por 2,6% da renda familiar nordestina média três vezes superior à brasileira, mas ainda assim um volume de dinheiro pequeno diante do todo. Há também outras iniciativas, como a aposentadoria rural, que hoje atende 3,8 milhões de pessoas na área metade de todo o benefício pago no país, e o aumento de 94% do salário mínimo, que desde 2003 ajudaram a elevar a renda média da população.

Mas é fundamental deixar claro que a economia nordestina, embora tenha sido empurrada por incentivos de distribuição de renda, hoje se move graças às forças do capitalismo tradicional. A região começou a receber grandes investimentos nos últimos anos, sobretudo no que se refere ao setor de infraestrutura. Obras gigantes já estão em curso, como os portos de Suape, em Pernambuco, e Pecém, no Ceará, ou a duplicação da BR-101, que liga o litoral pernambucano ao do Rio Grande do Norte.

No total, 52 bilhões de reais devem ser injetados na economia local nos próximos cinco anos, de acordo com o levantamento do Anuário EXAME de Infraestrutura 2008. "É um investimento muito grande para uma região historicamente carente", diz Francisco Cunha, sócio da consultoria TGI, com sede em Recife. Essa combinação fez com que o Nordeste acelerasse sua marcha econômica o aumento da renda gera mais consumo, que gera mais produção, que gera mais investimento.

Um levantamento do economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas, revela que a renda do trabalho nesse pedaço do país vem crescendo 7,27% ao ano desde 2003, ante 5,13% da média brasileira. De setembro de 2008 a setembro deste ano, o Nordeste apresentou o maior crescimento em vagas formais de trabalho do país. "São números emblemáticos, para derrubar as teses de que a região só cresce graças aos programas de transferência de renda", diz Neri.

O efeito direto dessa mudança de cenário é uma mobilidade social sem precedentes. Em 2003, metade das famílias nordestinas vivia com menos de 768 reais por mês e fazia parte da chamada classe E, um extrato da população alijada do mercado de consumo. Nos últimos cinco anos, essa faixa caiu para 31% da população. Isso significa que cerca de 10 milhões de nordestinos ingressaram nas classes C e D. Trata-se de um imenso contingente de pessoas que compraram seu primeiro fogão ou seu primeiro aparelho de TV.

Os nordestinos são hoje os maiores consumidores de produtos como arroz e carros Uno Mille, o modelo mais barato da Fiat, do país. Há demanda para quase tudo -- e é exatamente isso que está na raiz do surgimento de uma nova geração de empreendedores locais. É o caso do pernambucano Richard Saunders, dono da rede varejista Eletroshopping. Sua empresa dobrou de tamanho nos últimos dois anos vendendo eletrodomésticos em crediário de até 24 vezes para uma população que, muitas vezes, nem sequer possui conta bancária.

Aos 37 anos, Saunders, filho de um inglês e de uma pernambucana, comanda hoje uma rede com 105 pontos de venda espalhados por seis estados nordestinos, com faturamento previsto de 700 milhões de reais neste ano. Até 2014, a previsão é abrir mais 150 lojas -- mesmo com a chegada de concorrentes nacionais à região, como a Casas Bahia, líder do setor.

Em março deste ano, 52 anos após sua fundação, a Casas Bahia inaugurou suas primeiras lojas no estado que lhe empresta o nome. A previsão é chegar a 50 unidades até meados de 2010.Depois de ocupar espaço nas principais capitais nordestinas, a Eletroshopping parte agora para uma segunda fase o crescimento em cidades com menos de 70 000 habitantes. A chegada de uma dessas lojas de eletrodomésticos ao interior normalmente é motivo de festa.

Na inauguração da Eletroshopping em Arcoverde, cidade com 68 000 habitantes a 250 quilômetros de Recife, o povo se aglomerou na praça central para ver a abertura das portas, animada por uma banda de pífanos. "Temos uma oportunidade enorme nesses lugares em que as pessoas ganharam poder de consumo, mas ainda não tinham acesso a crediário", diz Saunders, que vendeu a Saveiro e o Chevette da família para encher as prateleiras de sua primeira loja, inaugurada em Recife há 19 anos. Com a velocidade de movimentação da economia nordestina, começam a surgir figuras típicas de mercados mais desenvolvidos. Em Pernambuco, já é possível encontrar uma geração de empreendedores seriais, empresários irrequietos, normalmente jovens, que criam uma empresa após a outra e, não raro, as vendem para investidores como fundos de private equity ou de venture capital.

Um dos representantes dessa leva de novos capitalistas nordestinos é o recifense Fernando Carrilho, de 28 anos. Formado em engenharia civil pela Universidade Federal de Pernambuco, Carrilho é filho e neto de empresários da construção civil, mas desistiu de trabalhar na construtora da família para abrir seu próprio negócio. Conseguiu 15 milhões de reais com bancos e outros investidores e, em 2006, inaugurou sua primeira empresa, a Cimentos Brasil. Menos de dois anos depois, vendeu a companhia para o grupo Camargo Corrêa por 200 milhões de reais -- um extraordinário ganho de 185 milhões de reais em relação ao aporte inicial.

Em julho, Carrilho começou sua segunda empreitada, desta vez em sociedade com o colega de faculdade Luiz Priori, fundador da fabricante de estruturas metálicas Zipco. Fundada há três anos, a Zipco especializou-se em construir armazéns para grandes empresas. Carrilho investiu 12 milhões de reais para ficar com metade da empresa, cujas receitas neste ano serão de 20 milhões de reais. "Ainda somos pequenos, mas já temos clientes como Vale, AmBev e CPFL", diz ele.

O maior indício de renovação no ambiente de negócios do Nordeste é certamente a capacidade de atrair investidores. "O apelo da região migrou de uma espécie de compaixão para o do crescimento acelerado", diz Tania Bacelar, sócia da consultoria pernambucana Ceplan e ex-secretária de Política de Desenvolvimento Regional do Ministério da Integração Nacional.

A expansão vem chamando a atenção inclusive de fundos internacionais. Segundo a GVcep, braço da FGV que analisa o mercado de venture capital e private equity, existiam 11 empresas nordestinas com participações de fundos de private equity em 2004. Agora são 19. Uma delas é o grupo SER Educacional, com sede em Recife, que no ano passado recebeu um aporte de 100 milhões de reais do fundo americano Cartesian Capital Group (o Cartesian só tem mais um investimento no Brasil, no banco Daycoval).Formado por três faculdades -- Maurício de Nassau, Fabac e Joaquim Nabuco, o SER foi fundado em 2003 pelo paraibano Janguiê Diniz.

Aos 45 anos de idade, Diniz tem uma origem improvável para um empresário do setor de educação. Filho de pais analfabetos, que deixaram a Paraíba fugidos da seca nos anos 70, ele morou em Mato Grosso e Rondônia antes de se fixar em Pernambuco. Conseguiu se formar em direito e, anos depois, ao tentar uma vaga num concurso público para promotor, percebeu que não havia cursinhos preparatórios. "Ficou claro para mim que havia ali uma oportunidade de negócio", diz ele. Foi então que, em 1996, Diniz abriu uma escola preparatória que daria origem ao SER, alguns anos depois.

Hoje o grupo tem oito campi espalhados por Pernambuco, Paraíba, Alagoas e Bahia e faturamento de 140 milhões de reais para se deslocar entre um campus e outro, Diniz usa o próprio avião, um turboélice King Air C-90, cujo preço gira em torno de 1 milhão de dólares. Com o aporte dos americanos do Cartesian, o objetivo agora é aumentar o número de alunos de 30 000 para 100 000 e chegar a 30 unidades nas regiões Norte e Nordeste nos próximos cinco anos.

O crescimento do mercado nordestino não passou despercebido pelas grandes companhias instaladas no Sul e no Sudeste. Apenas no Banco do Nordeste, os financiamentos sextuplicaram, passando de 2 bilhões em 2003 para 13,3 bilhões de reais em 2008. São projetos dos mais variados portes e destinados a fins tão diversos quanto esmagamento de soja e produção de medicamentos. Um dos maiores investimentos recentes foi feito pela Sadia em Vitória de Santo Antão, a 50 quilômetros de Recife.

Em março, a empresa inaugurou sua primeira fábrica na região, resultado de um aporte de 300 milhões de reais. "Antes levávamos até dez dias para atender a um pedido local, com produtos que chegavam a viajar 3 000 quilômetros", diz Julio Cavasin, gerente de projetos e investimentos. A Sadia, também espera fazer de Vitória de Santo Antão um polo para exportação de seus produtos. Para isso, deu especial atenção às exigentes normas internacionais de qualidade. A fábrica da Sadia. em Vitória de Santo Antão é a primeira do setor de carnes do país a neutralizar suas emissões de carbono.

Os benefícios decorrentes de grandes obras -- tanto privadas quanto de infraestrutura -- são imediatos. Em 2005, a BR-232 foi duplicada de Recife a Caruaru, a maior cidade do agreste pernambucano. O percurso de 150 quilômetros, que antes levava até 3 horas para ser percorrido, passou a ser feito em 90 minutos. Desde então, Caruaru vive uma expansão inédita.

Em maio, a cidade, conhecida por sua gigantesca festa de São João, recebeu a primeira loja do McDonald’s instalada no interior do estado. No dia da inauguração, centenas de pessoas fizeram fila em frente ao balcão, numa cena que lembrou a abertura da primeira unidade da rede em Moscou, após a queda do Muro de Berlim. Os funcionários do McDonald’s ganharam status de celebridade no município. Alguns mantêm o crachá até mesmo para sair à noite, no forró da cidade (segundo eles, os arcos dourados estampados no peito servem como um "ímã" para conquistar as garotas locais).

Diferentemente do que acontece nos grandes centros, o maior desafio do McDonald’s em Caruaru não é superar outras cadeias de fast food, até porque elas ainda não existem por lá, mas romper a tradição local de almoçar carne de sol e guisado de bode. A maior esperança de mercado está nas novas gerações de consumidores. Professores chegam a levar turmas inteiras para a loja no horário das refeições. "Para esses meninos, comer no McDonald’s é motivo de orgulho", diz Mario Jorge Carvalheira, dono da franquia.

No caminho inverso, cada vez mais companhias nordestinas ganham fôlego para ultrapassar as próprias fronteiras, num movimento migratório diferente do que se viu por décadas no país. Em vez de uma massa de retirantes em busca de emprego, começa a surgir uma leva de empresários nordestinos atraídos pela possibilidade de expansão nacional. Uma das pioneiras nesse movimento é a rede de farmácias Pague Menos, com sede em Fortaleza. Fundada em 1981 por Deusmar Queirós, hoje com 62 anos, a empresa tornou-se no ano passado a maior do país em seu setor.

A previsão é fechar 2009 com 340 lojas e faturamento de 2 bilhões de reais. Por enquanto, a grande concentração está na própria região, onde estão localizadas 220 lojas. Agora, o objetivo é ganhar o resto do país. Para isso, Queirós já mapeou 132 cidades com mais de 100 000 habitantes, que poderão receber novas farmácias. Por trás desse crescimento está uma estratégia inovadora. A Pague Menos foi a primeira rede brasileira a oferecer produtos como sorvetes e refrigerantes e a aceitar pagamento de contas de água, luz e telefone serviço muito procurado no interior nordestino, onde a presença dos bancos ainda é tímida. Nos próximos meses, o modelo de Queirós será colocado à prova.

A Anvisa, agência que regula o setor de medicamentos, determinou que em fevereiro as farmácias passem a vender apenas remédios.Como a mais emergente região de um país que hoje chama a atenção do mundo, o Nordeste vive um momento de prosperidade por seus próprios méritos. Seu desenvolvimento atual ocorre além, e a despeito -- das conveniências políticas, dos interesses particulares e das agências de desenvolvimento estatais que enterravam dinheiro em açudes fantasmas. A força de atração da região está em seu mercado potencial e na parcela dele que se torna real. Mas é evidente que esse movimento tem travas, que tendem a aparecer mais adiante caso não sejam removidas.

O Nordeste é, apesar do que está acontecendo, uma região pobre, com baixos índices de educação e qualificação da mão de obra. Dados da FGV revelam que os alunos nordestinos só agora chegaram à média de anos de estudo que o restante do país tinha em 1999 -- inferior a seis anos de instrução formal. Essa lacuna tende a ser crítica numa economia que se moderniza e que passa a depender de mais qualificação.

As diferenças entre os estados são consideráveis. Alagoas e Maranhão, por exemplo, estão longe do ritmo de crescimento de vizinhos como Pernambuco e Ceará. "Temos a obrigação de crescer mais porque a diferença em relação ao Sul e ao Sudeste ainda é brutal", diz o sergipano João Carlos Paes Mendonça, presidente do grupo JCPM e fundador da rede de supermercados Bom Preço, hoje nas mãos do Walmart. O lugar onde vivem mais de 54 milhões de brasileiros parece finalmente ter a chance de transformar suas enormes fraquezas em oportunidades.

Por Lucas Amorim, de Salvador, Recife e Caruaru 29.10.2009 00h01